No Brasil, temos uma relação curiosa com o Direito: só lembramos dele quando o problema já está instalado. É como se o jurídico fosse um pronto-socorro — útil apenas quando há dor, urgência ou conflito. A cultura da prevenção jurídica, aquela que antecipa riscos e evita litígios, ainda é vista como supérflua, cara ou desnecessária. E isso não é apenas um traço comportamental; é um reflexo estrutural da forma como o brasileiro se relaciona com a lei.
Essa mentalidade reativa ficou ainda mais evidente com a recente decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que proibiu a exigência de certidões negativas de débitos tributários para a lavratura e o registro de escrituras públicas na compra e venda de imóveis. A medida, embora juridicamente acertada e alinhada à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, levanta uma questão delicada: estamos preparados para assumir a responsabilidade pela nossa própria segurança jurídica?
Ao retirar a obrigatoriedade das certidões, o CNJ transfere ao comprador o dever de diligência. Em outras palavras, cabe a ele decidir se quer ou não verificar se o vendedor possui pendências fiscais que possam comprometer o negócio. Em um país onde a prevenção jurídica não é hábito, isso soa como um convite ao risco.
O problema não está na decisão em si, mas na ausência de uma cultura que valorize o planejamento jurídico. Muitos compradores, confiando na formalidade do registro, podem negligenciar etapas essenciais de verificação. O resultado? Aquisição de imóveis com passivos ocultos, disputas judiciais e insegurança patrimonial.
É preciso dizer com todas as letras: prevenção jurídica não é burocracia — é inteligência. Consultar um advogado antes de assinar um contrato, verificar certidões, entender implicações legais não deveria ser exceção, mas regra. E isso vale para pessoas físicas, empresas e até para o poder público.
A decisão do CNJ, ao mesmo tempo que desburocratiza, exige maturidade. Exige que o brasileiro deixe de tratar o Direito como um extintor de incêndio e passe a vê-lo como um sistema de alarme. Porque prevenir é sempre mais barato — e mais seguro — do que remediar.
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